Homilia - Pe. McKenna (ptg)
Sexta-feira 19 de julho
As pessoas que escrevem biografias usam por vezes a técnica da “figura de referência” para compreender melhor a pessoa sobre a qual se escreve. Por exemplo, o livro recente sobre o Papa Francisco, apresenta-o em contraste com a personalidade de Santo Inácio. O objetivo é fazer uma análise profunda da personalidade do Papa Francisco iluminada por S. Inácio. Esta é a mesma técnica que o autor do Evangelho de Mateus utiliza ao colocar Jesus frente à figura-chave do livro de Isaías, o Servo do Senhor.
Com esta comparação, chegamos a um maior entendimento de Jesus como o “Amado de Deus”, o favorecido de Javé, o servo que faz tudo o que seu Mestre lhe pede, sem importar-se com o preço, inclusive a morte. Nós também utilizamos Jesus como “figura de referência” com as pessoas, especialmente, com os doentes e excluídos.
Como o Servo, Ele é poderoso e ao mesmo tempo tão gentil que não apagará o pavio que ainda está acesso nem quebrará o caniço rachado. Qual é a conclusão? Este misterioso Servo de Javé reflete uma luz sobre Jesus de Nazaré.
Hoje, gostaria de colocar S. Vicente debaixo da luz desse Servo, como de Isaías e como do próprio Jesus, o servo fiel e sofredor do Pai. É uma forma de evidenciar alguns traços do carácter de S. Vicente, a fim de iluminar a sua personalidade.
Refiro-me à consideração e também à delicadeza do Servo, que não apagará a chama do pavio que ainda está acesso. É alguémque está ao serviço de Deus, que trata as pessoas e as situações com delicadeza, que é sensível aos seus medos e falhas, com aquilo que o livro do Êxodo chama “compaixão de ventre”.
S. Vicente fala sobre isto como “mansidão”, apesar desta palavra em inglês (Meekness), não transmitir todo o seu significado. O mais adequado seria “firme delicadeza”, que significa o correto equilíbrio entre ser delicadamente firme e firmamente delicado. Esta é uma característica que S. Vicente vê em Jesus e, frequentemente aconselha aos seus seguidores a colocar em prática.
No entanto para S. Vicente a impotância desta virtude não está somente em pensar em Deus (em Jesus) mas também porque é um pré-requisito para servir os pobres. Muitas pessoas na parte inferior da pirâmide económica temem aqueles que se dispõem a oferecer ajuda, especialmente, os que têm um título e uma boa posição social. Para que possam acreditar nas pessoas de categoria social mais elevada, essas pessoas têm que lhes ser familiares, precisam de se sentir confortáveis com a sua presença e estarem à vontade com sua personalidade. Noutras palavras, um servo que queira ganhar a confiança dos pobres terá que ser uma pessoa muito empática, genuinamente acolhedora e nada ameaçadora.
Vicente é este tipo de servo. Apesar de ter sido o que hoje dizemos, “uma pessoa que está bem na vida” (salário, com estudos, líder de organizações) e de ser conhecido como alguém que se movia nos círculos mais altos do poder, os seus contemporâneos perceberam o quanto era fácil encontrá-lo, não importava a posição social da pessoa que o procurava.
A paciência e a delicadeza não eram caraterísticas naturais dele; ele mesmo admite que teve que trabalhar o seu temperamento tedioso que tinha consigo próprio durante anos. Isto significou aprender com a experiência mas também exigiu dele disciplina em colocar em prática o que aprendeu, como quando se quer aperfeiçoar qualquer virtude. Olhando para trás, para os seus dias de serviço aos prisioneiros, uma vez cometou: “Quando eu lhes falei secamente, deitei tudo a perder; ao contrário, quando eu lhes elogiava pelo seu acolhimento e me compadecia dos seus sofrimentos; quando beijei as suas correntes; quando tive compaixão das suas dores e testemunhava a sua aflição pela sua desgraça, foi então que eles me escutaram e deram glória a Deus” (Abelly III, 183). Noutro lugar, ele comparou as pessoas que deixam sua raiva sair de controle como “torrentes que são fortes e impulsivas apenas quando transbordam, mas secam assim que escoam”. Em contraste, havia pessoas muito delicadas que eram como “rios, que correm sem fazer barulho, com tranquilidade, e não secam nunca”(SV XI, 65).
Embora, a mansidão seja uma palavra inadequada em alguns aspectos, ela imprime um traço característico em alguém que seria um bom servo de Javé, especialmente dos pobres.
Um pensamento final sobre este servo. Em Isaías e nos Evangelhos, a razão pela qual algumas pessoas prestaram este serviço compassivo e desinteressado é porque elas reconhecem que são receptores da sua própria compaixão. São Paulo faz eco a isto: “nós consolamos os outros com a mesma consolação que recebemos”. Tanto Isaías, o servo como o Servo, Jesus ouviram o chamanto do “Amado”. E é a partir deste profundo sentimento de ser amado que eles podem servir com firmeza e amavelmente o Pai.
S. Vicente é feito da mesma “farinha”. Ele pode doar-se aos outros do mesmo modo “manso” porque está convencido de que ele mesmo é querido pelo Abba Jesus, que ele também é o “Amado” de Deus.